ENTRETENIMENTO A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO E DA ESPIRITUALIDADE

MÁRCIO MALTA (NICO)

ENTREVISTA

Por Fernando Passarelli

Quem só conhece o trabalho de Nico como cartunista não imagina a carreira acadêmica que ele segue há anos. Nico, ou Márcio Malta, é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, mestre e doutor em Ciência Política com um trabalho sobre charges de Jeca Tatu e a identidade nacional em Monteiro Lobato. Nico venceu o Troféu HQ Mix 2009 na categoria Livro Teórico de Quadrinhos com a obra “Henfil – O Humor Subversivo” (Editora Expressão Popular). Mas será que as pessoas ainda estão interessadas na Graúna, nos Fradinhos e no Ubaldo? “Tenho observado uma maior valorização do Henfil, mesmo que ainda não seja a ideal”, explica. Valorização merecida, diga-se de passagem.

DEUS NO GIBI – Seu mestrado sobre o Jeca Tatu o preparou, de certa forma, para o estudo da obra e da vida de Henfil?

NICO – Sim, a pesquisa para o mestrado acabou por me instrumentalizar teoricamente ao lidar com charges políticas de forma textual e acadêmica.

DEUS NO GIBI – E na sua pesquisa sobre a vida do Henfil, qual descoberta o impressionou mais?

NICO – Em termos de descoberta, foi sem dúvida a forma com que ele se manteve íntegro aos seus ideais e a sua relação com o PT, ao qual negou se filiar, afirmando que o partido era muito “social-democrata”. O detalhe é que ele disse isso pessoalmente ao hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

DEUS NO GIBI – Por que a Igreja influenciou tanto o trabalho dele?

NICO – A relação com a Igreja foi na juventude e o deixou cético, contrário ao sentimento de culpa católico. O mais interessante é que ele soube converter isso em criatividade ao criar os personagens Fradinhos, baseados em frades dominicanos, que lhe proporcionaram a visão de outra igreja católica, uma ala que lutava pela justiça social.

DEUS NO GIBI – Você acredita que esse tipo de visão, subversiva, com a qual Henfil trabalhava, ainda encontraria espaço em nossos dias?

NICO – No final de sua vida ele já encontrou resistência e inclusive perdeu o emprego na revista “Isto é”, por conta de sua radicalidade. Hoje em dia seria ainda mais difícil dado a confusão que se tem feito em termos de esquerda e direita, principalmente depois que o governo Lula e o PT chegaram ao poder, fazendo com que tudo se transformasse em uma geleia geral.

DEUS NO GIBI – Falando em contestação, parece que todo novo autor de quadrinhos quer chocar, impressionar o leitor, conquistá-lo dessa forma. Ser quadrinista subversivo virou moda?

NICO – Não vejo desta forma. Alguns quadrinistas “subversivos” de hoje realmente não contestam o sistema, fazem mais humor de comportamento. Por outro lado existem chargistas militantes sérios, que continuam denunciando injustiças sociais e desmandos de governos.

DEUS NO GIBI – É possível conciliar sua carreira de desenhista, fazendo charges e cartuns, com a pesquisa acadêmica?

NICO – Sim, é possível conciliar. Sou um ser íntegro, no sentido de não ter que me dividir em categorias. O próprio Henfil dizia que era múltiplo, ao passo que não era só desenhista, também era pai, militante, sabia consertar rádio etc. Marx já definira como uma sociedade ideal aquela onde as pessoas teriam liberdade de se expressar de diferentes maneiras, inclusive profissionalmente, não se cerceando diante da divisão social do trabalho, imposta pelo capitalismo. O meu trabalho me dá muito prazer e ao mesmo tempo busco sempre me aprimorar para fortalecer esse campo de pesquisa que é a charge, como um documento que tem validade para registrar épocas históricas.

Para conhecer o trabalho do Nico visite
www.mundoemrabisco.com

 

Setembro de 2009