ENTRETENIMENTO A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO E DA ESPIRITUALIDADE

MANIPULANDO EMOÇÕES

PIRATA PSÍQUICO

“Quantas curtidas essa criança em sofrimento merece?”

“Quem gosta dessas criaturas fofinhas compartilha!”

“Se você também é contra esse absurdo, passe pra frente!”

“Hoje é dia de despertar essa lembrança; todo mundo vai fazer, você também!”

E assim a rede social mais usada do planeta – pelo menos nesses anos – vai te sugerindo o que sentir e a qual assunto dar relevância no seu dia-a-dia. A onda pode ser motivada pela corrente do momento, uma data festiva, memórias ou apenas o gosto pessoal.

Parece que essa multidão virtual quer convencer cada vez mais gente a pensar como ‘todo mundo’, admirar o que ‘todo mundo’ admira e se revoltar com aquilo que incomoda ‘todo mundo’. E se um xinga, os demais também vão ‘xingar muito’. Se os argumentos são fracos, nem importa, basta curtir ou passar adiante. Mesmo que seja para reclamar, para ‘não curtir’, tem que estar junto de ‘todo mundo’.

E pobre daquele que não quer colocar sua foto, do tempo de bebê, lá no topo da página. Ou se recusa a participar da campanha contra testes de remédios nos animais. Ou simplesmente não quer discutir política ou qualquer outras coisa.

Da mesma forma que as nuvens se acumulam, até surgir uma tempestade, as opiniões internáuticas também vão se juntando e ganhando força. Um amontoado escuro, levado também ao sabor do vento, para desabar quando chegar esse ou aquele assunto. Nessa situação, nem dá tempo para uma reflexão. Aliás, não existe o ‘meio curtir’. Ou o ‘curtir em parte’. Ou o ‘não agora, me deixa em paz’. Tem que ser já, dessa forma, sem pensar duas vezes.

Isso faz lembrar um personagem de quadrinhos chamado “Pirata Psíquico” (Psycho Pirate). O vilão usa uma máscara para projetar suas emoções sobre as pessoas ao redor, manipulando-as. Então, é capaz de espalhar o medo entre os clientes de uma loja, durante um assalto, e fugir levando todo o dinheiro. Ele também pode fazer uma multidão se alegrar de forma tão intensa que todos irão se abraçar e dançar enquanto tem suas carteiras roubadas Simples assim, só mexendo com as emoções.

Nos quadrinhos, o “Pirata Psíquico” teve papel importante no evento chamado “Crise das Infinitas Terras” – que reformulou o universo de Batman, Superman e companhia, nos anos 1980. Mas o “Pirata” enlouqueceu de tanto manipular as emoções e foi internado.

Parece que as coisas caminham no mesmo sentido, quando se observa o atual estágio das redes sociais. Gente que mal conhecemos quer nos fazer engolir qualquer opinião, serviço, indignação, religião, experiência, emoção. Uma pressão – e falta de critérios – que beira a insanidade.

Os mais velhos vão se lembrar de uma tradição que sempre ressurgia ao final dos anos escolares. Perto das últimas semanas de aula, apareciam alguns “cadernos de recordação” (ou qualquer outro nome que davam) para os melhores amigos assinarem. E naquelas páginas, meninos e meninas escolhidos a dedo diziam para a dona do livreto como ela era simpática, gentil, admirável e que merecia ser muito feliz na vida.

Era muito mais complicado do que, simplesmente, apertar o botão ‘curtir’. Exigia mais elaboração. Mas não deixava de ser tão manipulador ou falso. O volume de mentiras escritas nesses cadernos também era imenso. A maior diferença, talvez, é que isso só acontecia uma vez por ano, e não diante de todo mundo. Não era toda semana, todo dia, toda hora.

E tem gente que critica os padres, pastores e líderes religiosos por manipulação dos seus ‘rebanhos’. Será que eles são tão diferentes dos ‘rebanhos’ mobilizados por alguns ‘posts’, campanhas e comentários? Será que as replicadas, compartilhadas e curtidas não são como os dízimos que as mesmas pessoas tanto criticam?

Repetindo, o “Pirata Psíquico” ficou louco por manipular emoções. Foi influenciado demais pelos sentimentos com as quais lidava. Pensando nele, dá para entender porque tem gente que acorda pedindo voto para um revolucionário candidato e antes de dormir dá uma ‘curtidinha’ na piada preconceituosa. Se já não perdemos a razão, diante de tanta bobagem ao nosso redor, não estamos longe disso.